29 setembro 2011

Desejo de Memória e Desejo de Esquecimento

Ontem assisti na aula de Memória e Informação o filme "Uma cidade sem passado" (Das Schreckliche Mädchen).


Sua protagonista chama-se Sônia. Ela, de uma tradicional família católica alemã, sempre viveu no meio religioso, tendo estudado em um colégio para meninas onde seu pai lecionara e sua mãe havia lecionado, onde também, seu tio era padre.

A personagem tem sua vida transformada quando, como ganhadora de um concurso literário do governo alemão é apresentada aos temas do novo concurso, optando pelo "Minha cidade durante o III Reich". Curiosa, Sônia decide pesquisar sobre, mas esbarra em aspectos burocráticos e referentes a propriedade privada etc, que não permitem que ela sequer comece a sua pesquisa, tendo no máximo vestígios sombrios da época.

A relação que ela busca estabelecer é de como sua cidade manteve-se neutra durante a II Guerra, e como ali os judeus não foram "caçados". Porém, seu tempo esgota-se e ela tem que desistir de sua pesquisa...

Entretanto, alguns anos depois, mesmo casada e com filhos, Sônia retoma essa ideia e volta a pesquisar o tema, porém, as mesmas barreiras de antes surgem, contudo ela não desiste e passa a lutar contra todos para ter acesso ao arquivo que possibilitará a sua pesquisa. O arquivo pessoal do prefeito à época do III Reich.

Contudo, é importante esclarecer que quando falo todos, digo que Sônia passa a enfrentar a Igreja, pois seus membros tem envolvimento direto com o passado que ela busca revelar, a família, pois seu marido e seus pais opõem-se a tal pesquisa, além do Estado, que muda leis, cria empecilhos e acaba por não permitir o acesso ao arquivo que ela tanto ambiciona.

Sob tais aspectos o filme é fabuloso, ao mostrar a evolução de Sônia, de uma menina de cabelos longos e ar inocente até a mulher decidida, que casa-se com o professor, tem os cabelos curtos e ousa nadar totalmente nua, na minha visão, a maior expressão de sua libertação.

Se Sônia é figura em evolução, por outro lado, temos o Arquivo, instituição engessada, sujeita à vontades políticas e a mandos e desmandos, servindo ao Estado e à Igreja na tentativa de proteger a população da cidade das revelações que aquele arquivo poderia trazer. Assim, temos imagens jogadas sob o fundo verde (chroma key) do interior de arquivos, talvez representando que ele está ali, mas não pode ser acessado. O Arquivo inclusive, mesmo com a vitória de Sônia nos tribunais, a impede de usá-lo porque, segundo eles, os documentos foram perdidos, ou estão emprestados, ou estão em péssimo estado, ou... ou...

Com o desenrolar do filme e contando com a "sorte", como ela mesma diz, Sônia consegue consultar o arquivo que deseja e finalmente pode revelar à cidade os fatos (repare que não falo em verdade, mas sim em fatos, pois são coisas distintas).

Assim, Sônia consegue lançar seu livro onde revela os fatos de acordo com as informações colhidas no acervo do ex-prefeito, porém, sua batalha fora longa e recheada de ameaças, pois muitos dos envolvidos no caso ainda estavam vivos, sendo inclusive agredida e quase morta. Tal fato me faz lembrar a discussão sobre a abertura dos arquivos da ditadura pelo governo brasileiro, assunto de post no meu blog, clique aqui e aqui. Onde a situação de ter envolvidos vivos parece ser preponderante na discussão, o agravante é o fato de eles ainda atuarem politicamente, bem como no filme...

Bom, já em se final, o filme nos reserva cena chave, onde Sônia recusa-se a aceitar que um busto seu, feito para homenageá-la, fosse exposto na prefeitura, chocando a todos que acompanharam a pesquisa da jovem, afinal, o que é maior do que ter a sua imagem lançada a eternidade? Mais uma vez, a personagem revela-se sensacional, pois ao quererem engessá-la, como fizeram com o Arquivo, ela se nega, pois, na minha visão, ela não queria ser um lugar de memória, na noção passada por Pierre Nora, mas sim, apenas, uma pesquisadora, uma historiadora em busca de fatos e não de verdades, pois se ela fosse engessada pelo busto, nada mais teria a fazer, senão viver dessas glórias, desse monumento...

O filme é sensacional, entretanto, é a sua personagem principal quem mais me chama a atenção, pois Sônia é o retrato da evolução, do questionamento. A menina religiosa e de cabelos longos, casa-se com o professor bem mais velho, tem filhos e lhe dá nomes judeus, volta a estudar, porém é nomeada doutora por diversas universidades sem ter concluído a faculdade, graças ao livro resultado de sua pesquisa. Separa-se em prol de sua pesquisa, torna-se fumante e por fim, aparece sua imagem nadando nua, numa espécie de libertação de costumes, de construção de um novo eu a partir de novas memórias, de novas identidades.

Sônia, assim, seria o retrato do pesquisador, descontente com "as verdades", questionador por natureza... E mesmo depois de tantas transformações, o desfecho do filme se dá no local mais sagrado e emblemático da cidade, a árvore onde preces são depositadas e onde Sônia sempre buscou força nos momentos difíceis, talvez por ali ser um resquício da época do III Reich, uma testemunha muda da história, portador das memórias daquele povo...

21 setembro 2011

Preservar para não repetir?

Li duas matérias bem interessantes sobre a mesma temática: preservar ou não as construções Nazistas?

Os link são:

Hitler's Atlantic Wall: Should France preserve it?

Uma montanha bávara à sombra de Adolf Hitler

Acredito que o debate deva acontecer, principalmente pela sombra nazista assolar até hoje a sociedade. Porém, creio que, como diz o Projeto do Arquivo Nacional - Memórias Reveladas, devemos preservar ou contar "Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça". Assim, a preservação de lugares de trauma também é uma forma de manter presente a história que não queremos lembrar, mas que é imprescindível na construção da sociedade, do social.