21 junho 2011

Arquivo Institucional ou Coleção?

Lendo um post no Blog de Diplomática do professor André Ancona (link aqui), achei uma tarefa proposta no qual ele pede que se discuta, entre outras questões, as diferenças entre Arquivo Pessoal e Coleção, achei interessante dar uma adaptada à questão e discutir a diferença entre Arquivo Institucional e Coleção.

No meu primeiro post aqui (O Começo) falei que no meu Trabalho de Conclusão de Curso investiguei as práticas colecionistas, analisando-as tendo como objeto a Coleção Ernesto Senna. Pois bem, tendo diversas definições do que seria Coleção, podemos dizer que num panorama geral, colecionar é formar um agrupamento lógico (ao menos para o colecionador) de objetos que lhe são caros sentimentalmente e que tem ligação estreita com a sua memória, pois ao mesmo tempo os objetos são itens de coleção, eles são "máquinas do tempo" no sentido de trazerem à tona recordações.

Dessa forma temos as definições de Pomian (1997, p. 53), de que Coleção é “[...] qualquer conjunto de objetos naturais ou artificiais, mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito das atividades econômicas, sujeitos a uma proteção especial num local fechado preparado para esse fim, e expostos ao olhar do público”.

Já para Benjamin (2006, p. 239) “Colecionar é uma forma de recordação prática de todas as manifestações profanas da ‘proximidade’, a mais resumida”.

E por fim temos Baudrillard  (1989, p. 94) que diz que o "[...] objeto puro, privado de função ou abstraído de seu uso, toma um estatuto estritamente subjetivo: torna-se objeto de coleção. Cessa de ser tapete, mesa, bússola ou bibelô para se tornar ‘objeto’. Um belo ‘objeto’ dirá o colecionador e não uma bela estatueta".

Nesse sentido, os objetos de coleção são o meio de recordação do passado, sem sair do presente, remetendo o colecionador à uma "constelação histórica criada por ele próprio, revelando conexões entre coisas que guardam correspondência” (PERRONE; ENGELMAN, 2005, p. 86).

Tá, se já sabemos o que é Coleção, cabe ressaltar que na Coleção Ernesto Senna, eu tinha um misto de Arquivo Pessoal e Coleção no sentido de que ele incorporou à segunda documentos sobre sua vida, sua atividade como jornalista e correspondências pessoal, ouso dizer que ele colecionou suas relações pessoais, materializadas pelas cartas, cartões, dedicatórias e autógrafos (no sentido de assinaturas) que conseguia. Porém, ao incorporar-se à Coleção, como na fala de Baudrillard, perde sua função primeira e torna-se um objeto de Coleção.

No contexto das bibliotecas, Coleção diz respeito ao acervo, e geralmente é usado para denominá-lo. No trabalho, posiciono a biblioteca como uma colecionadora, mas o assunto, no momento não nos importa.

Dito isso, vamos nos ater agora ao que seria um Arquivo Institucional (observando que ainda não temos tantas definições como no caso das Coleções, tendo em vista que o primeiro é um trabalho concluído e o segundo é um trabalho em fase de desenvolvimento).

O Arquivo Institucional, seria, na minha visão, o resultado as práticas de gerência e administração das instituições. É formado, bem como os acervos pessoais, de documentos, relatos, obras que dizem respeito à instituição e à sua história. São, documentos oficiais e extraoficiais que são acumulados ao longo dos anos, tendo como seus autores os representantes da instituição naquele momento, ou seja, seus funcionários.

No caso do Arquivo Institucional da Biblioteca Nacional, temos uma contradição, pois na Biblioteca o Arquivo Institucional é chamado de Coleção Biblioteca Nacional, talvez por ser o termo Coleção mais caro (ou menos estranho) às bibliotecas do que o termo Arquivo. Assim, a Coleção Biblioteca Nacional, entendida como o Arquivo Institucional da Biblioteca, arrola comunicados internos, registros de usuários, livros de tombo, relatórios, matérias veiculadas na imprensa sobre a instituição e, por mais insólito que pareça, alguns objetos tridimensionais, como a pá usada no lançamento da pedra fundamental do novo prédio ou a bala de revólver que atingiu o gabinete da presidência durante na década de 1990, durante uma perseguição na rua México, que fica atrás da Biblioteca, acompanhado desta está uma reportagem,  se não me engano do Jornal do Brasil, sobre o fato. Questionáveis ou não, tal prática contribuí, ao que parece, para que a história da instituição seja preservada.

Assim, talvez, a diferença entre Arquivos Institucionais e Coleção não possa ser tão aparente, talvez o objetivo da sua construção seja o maior diferencial, pois a Coleção envolve o gosto pessoal, sem se importar com as consequências disso, que pode ser ou não a preservação da memória do colecionador ou até mesmo do seu meio social, porém tal fator, na maioria das vezes, é secundário. Já um Arquivo Institucional, parece ter sido criado com o objetivo de preservar a memória da instituição, para que no futuro sua história possa ser recontada, assim, a instituição é contada pela própria instituição e seus representantes (funcionários, servidores, estagiários, colaboradores etc).

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Referências:

BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1989. p. 93-114.

BENJAMIN, Walter. O colecionador. In: ______. Passagens. Belo Horizonte: Editora da UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. p. 237-246.

PERRONE, Cláudia Maria; ENGELMAN, Selda. O colecionador de memórias. Episteme, Porto Alegre, n. 20, jan./jun. 2005. Disponível em: <link>. Acesso em: 20 dez. 2008.

POMIAN, Krzstof. Coleção. In: GIL, Fernando (org.). Memória-História. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1997. p. 51-86. (
Enciclopédia Einaudi, v. 1).

E a informação?

Tá, tudo muito legal, tudo caminhando, mas se a idéia é o desenvolvimento de um projeto na área de Gestão da Informação, onde a tal falada informação está no meu projeto? Afinal, eu só falei basicamente de memória até o momento...

Nesse sentido, entendo que a informação está presente no projeto em alguns aspectos, são eles:

-Os relatórios nada mais são do que a compilação de informações sobre as ações da Biblioteca Nacional num determinado período de tempo, arrolando informações relativas ao seu acervo, número de consultas, número de usuários etc. Eles são confeccionados para que a Biblioteca mostre ao Ministério à qual está subordinada, suas ações e provavelmente foi publicado como um meio de legitimação de seu conteúdo e também no sentido de prestar contas à população. Logo, podemos entender que os relatórios são um meio de prática comucicacional das informações institucionais;


- A idéia de preservação da informação, pois a construção de uma série documental de relatórios institucionais pode presumir que os mesmos serão consultados no futuro e podem servir de base para tomada de decisões ou entender porque algumas decisões foram tomadas. Assim, as informações ou dados ali registrados poderão ser úteis num momento futuro, tendo a idéia de que se eu registro, eu preservo como norteadora. Assim, tais dados estariam assegurados por algum tempo no percurso da história da sociedade.

17 junho 2011

Ainda sobre o "por quê?"

Talvez também seja interessante refletir sobre a idéia de Peter Burke, no livro "Uma história social do conhecimento: de Gutemberg a Diderot", que nos fala, ao discutir as bibliotecas da antiguidade, o seguinte:

Bibliotecas que sobreviveram nos permitem estudar a “arqueologia do conhecimento” no sentido literal da famosa expressão de Foucaut, examinando os vestígios físicos de antigos sistemas de classificação. Os catálogos das bibliotecas públicas e privadas, e a organização das bibliografias (que eram apresentadas na forma de bibliotecas imaginárias, usando muitas vezes os títulos Bibliotheca), seguiam frequentemente a mesma ordem, com poucas permutações e modificações. (p.88)



Seguindo tal idéia, o resultado poderá ser uma espécie de “arqueologia das bibliotecas”, onde através de relatos institucionais, podem ser resgatados fatos da história e memória institucional, pois a idéia de revirar a o Arquivo Institucional em busca de informações sobre a história da instituição, nos remete à figura tradicional do arqueólogo escavando os restos de civilizações, em busca de fragmentos que possam reconstruir, ao menos, uma parte daquela.

15 junho 2011

Por quê?

Creio que a pergunta mais difícil ao se fazer um projeto de pesquisa é por que fazê-lo? Penso que pela perguntar envolver questões pessoais e científicas é muito difícil respondê-la, mas tentarei.

Bom, inicialmente preciso esclarecer que penso mais ou menos como Tanno (2007), no seu artigo "Os Acervos Pessoais: Memória e Identidade na produção e guarda dos registros de si" no qual ela diz que estudar a micro história ajuda a desvelar a macro história. Sendo assim, estudar as instituições, pode ajudar a entender melhor a história do país. No meu caso, entendo que pesquisar sobre a história da Biblioteca Nacional, através de seu acervo, ajuda a entender o contexto social e político da época adotado na instituição.

Desta forma, acredito que investigar o modo de construção da Coleção da Biblioteca Nacional evidenciará o intuito de modernização do país, onde a cultura (ter uma Biblioteca Nacional valiosa parece primordial) e a civilidade (urbanização da então Capital Federal, o Rio de Janeiro, tendo como expoente máximo a Avenida Central, atual Rio Branco - coincidência ou não, local onde o novo prédio da Biblioteca foi construído) servem de marco para tal comparação. Ainda mais se observarmos que essa foi uma época de profundas transformações na estrutura administrativa da Biblioteca, e reorganização do seu acervo acervo num novo prédio, além da criação do primeiro curso de Biblioteconomia da América Latina.

Nesse contexto, de resgate, a acepção de memória dada por Pomian norteia o trabalho, pois para ele

A ‘memória’ é, em suma, o que permite a um ser vivo remontar no tempo, relacionar-se, sempre mantendo-se no presente com o passado [... Pois] entre o presente e o passado interpõem-se sinais e vestígios mediante os quais – e só deste modo – se pode compreender o passado; trata-se de recordações, imagens, relíquias.” #1.

Aliada à essa idéia temos a de Ginzburg, que diz que

Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la” #2.

Sendo assim, entendo os relatórios como recordações da gerência e administração institucional, mal ou bem comparando-os aos diários pessoais, onde podemos encontrar fatos da vida das pessoas e nos permitem inclusive reconstruir a sua vida, fazer a sua biografia.

Assim, a idéia do que seja a Memória Institucional oferecida por Thiesen nos é bastante cara, pois para ela

A memória institucional [...] Na perspectiva do tempo, seria o retorno reelaborado de tudo aquilo que contabilizamos na história como conquistas legados, acontecimentos, mas também vicissitudes, servidões, escuridão” #3.

Em suma, a Memória Institucional seria o resgate da trajetória - entendida aqui como percurso - da instituição na sociedade e em si mesma, pois além de ser construída por aspirações da sociedade, a instituição parece ser construída de dentro para fora também, a partir de seus funcionários e gestores.

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#1 POMIAN, K. Memória. In: GIL, Fernando (coord.). Sistemática. Porto: Imprensa Nacional: Casa da Moeda: 2000. p. 508. (Enciclopédia Einaudi, 42)
 
#2 GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: ______. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 177.

#3 COSTA, Icléia Thiesen Magalhães. Memória institucional: a construção conceitual numa abordagem teórico - metodológica. 1997. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - CNPq/IBICT-UFRJ/ECO, Rio de Janeiro. Orientadora: Maria Nélida González de Gómez.

08 junho 2011

Arquivo da Biblioteca Nacional

Olha que matéria legal encontrei no site da Revista de História da Biblioteca Nacional:

"Biblioteca Nacional
A instituição a partir de seus próprios arquivos
Renato Venâncio*

No ano em que se comemora o segundo centenário da Biblioteca Nacional (BN), cabe lembrar o pioneirismo dessa instituição, patrimônio de todos brasileiros, na democratização de acervos bibliográficos e documentais on-line.

A BN foi uma das primeiras instituições culturais brasileiras a disponibilizar bancos de dados e imagens digitalizadas na internet. Essas iniciativas podem ser visualizadas na página da Biblioteca Sem Fronteiras da BN. Obras raras, jornais, fotografias, mapas, manuscritos, partituras musicais formam parte do acervo digital, acessível a qualquer cidadão do Brasil ou do restante do mundo.

Nesse universo digital, gostaria de destacar a disponibilização dos Anais da Biblioteca Nacional, referente ao período de 1876-1997. Para acessar esse periódico, basta clicar o cursor no item “Coleções” e depois clicar em “anais”, instalando em seguida o plugin localizado à direita da lista dos volumes.

Nos Anais da Biblioteca Nacional, os mais variados aspectos da vida cultural brasileira, do século XVI aos nossos dias, foram registrados. Além de reproduzir valiosos documentos, esse periódico disponibiliza extraordinários instrumentos de pesquisa, na forma de catálogos de livros ou repertórios de documentos.

Os Anais também contam a história da Biblioteca Nacional. Infelizmente, o plugin não permite o estabelecimento de hiperlinks. Eis, porém, duas dicas de pesquisa. A primeira delas diz respeito à busca através da palavra “relatório”. A consulta aos relatórios do século XIX, reproduzidos nos Anais, revela o papel da Biblioteca Nacional na modernização da leitura: os livros de teologia eram os menos consultados, em proveito da literatura e das ciências exatas. Outra pesquisa com resultados interessantes é através da palavra “bibliotecário”. Vários documentos e estudos são indicados. No vol. 12, por exemplo, é possível ler a biografia de Camillo de Monserrate, bibliotecário da BN entre 1853 e 1870.

Enfim, além de ser um repositório da história do Brasil, os Anais da Biblioteca Nacional contam o passado da própria instituição."

O link para matéria é esse: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/biblioteca-nacional

* Renato Venâncio possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica - RJ (1982), mestrado pela Universidade de São Paulo (1988), doutorado pela Universidade de Paris IV - Sorbonne (1993) e pós-doutorado pela Universidade de São Paulo (2005). É professor na Universidade Federal de Minas Gerais, assim como Pesquisador do CNPq. Entre 2004-2008 foi Consultor Científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Entre 2005 e 2008 dirigiu o Arquivo Público Mineiro, também atuando como Editor da Revista do Arquivo Público Mineiro. Entre 2007-2008 foi Consultor Científico da UNESCO, no Comitê Nacional Memória do Mundo. Entre 2006-2008 foi membro da Seção Brasileira da Comissão Luso-Brasileira para Salvaguarda e Divulgação do Patrimônio Documental - COLUSO-Conarq/Arquivo Nacional. Foi, ainda, responsável pela coordenação da implantação do Sistema Integrado de Acesso do Arquivo Público Mineiro (SIA-APM).
(Fonte: Currículo Lattes)

07 junho 2011

Problema e Objetivos

Conforme foi dito no último post, minha pesquisa surgiu de uma "solução", ao encontrar o relato que precisava para reconstruir a história da Coleção Ernesto Senna dentro da Biblioteca Nacional, também encontrei um problema. E tal problema acabou se tornando o meu objeto de pesquisa, pois tendo em mãos, durante a reconstrução da história da Coleção, relatórios, livros de tombo, inventários antigos etc, pude observar como alguns relatos de gestão biblioteconômica, herdados de práticas administrativas, podem se constituir em importante fonte sobre o passado de uma biblioteca ou instituição.

Assim, elejo como objeto de pesquisa os relatórios institucionais, por se constituírem numa "Descrição minuciosa e circunstanciada dos fatos de uma gerencia de administração pública ou de sociedade" (AULETE), ou seja, são os relatos de gestão. Dessa forma, chego a seguinte problemática: "Podem os relatos de memória, tais como os relatórios institucionais, servirem de meio para recontar a história institucional?".

Nesse sentido, busco analisar se as informações registradas nos relatórios servem de meio para reconstrução da memória de uma instituição, utilizando como objeto de estudos os Relatórios da Biblioteca Nacional, publicados durante certo período nos Anais da Biblioteca Nacional, e hoje, publicados no site da instituição.

Mas como analisar se há memória nos relatórios? Afinal, memória não é algo intangível? Que não pode ser tocado? Pois é, mas para poder analisar se os relatórios são portadores da memória institucional parto dos seguintes objetivos:

- Analisar como como os relatórios institucionais - auxiliados por outros relatos institucionais - podem servir de meio para recontar a história da Biblioteca Nacional;

- Analisar, através de tal registro informacional, como se deu a Formação e o Desenvolvimento de sua Coleção.

Norteado por um objetivo maior, que é:

- Analisar se o conteúdos dos relatórios institucionais é uma fonte para a construção da memória institucional.


Tendo esclarecido isso, espero encontrar, no percurso da pesquisa, dados que me levem à reconstruir como a biblioteca se desenvolveu e foi ampliando sua coleção ao longo dos anos. Para tanto, determino como marcos históricos os relatórios compreendidos entre 1905 e 1915, já que o primeiro descreve o lançamento da pedra fundamental do novo prédio da Biblioteca, na então Avenida Central, atual Rio Branco, e o segundo o efetivo funcionamento do curso de Biblioteconomia na instituição em 1915, pois a autorização para a fundação do mesmo foi dada em 1911.