25 julho 2011

A ciência na política*

Objetivando construir uma reflexão sobre a ação política no projeto de pesquisa que tenho construído discutirei alguns pontos nas próximas linhas, tendo como ponto de partida a reflexão de Nogueira (apud TOMANIK, 2009, p. 91), de que

[...] as ciências humanas [...] ainda que tenham por objeto real ou sensível os indivíduos humanos, com seu substrato orgânico, têm por objetivo formal certos fenômenos engendrados pela convivência humana e pela capacidade especificamente humana de simbolização.

Podemos chegar à conclusão, a partir de tal trecho de que a memória é uma representação social criada pelo homem, ou seja, um conjunto de símbolos, tradições, representações etc. Podemos perceber isso mais claramente ao pensarmos que a maneira mais comum de tornar a memória presente é erguer um monumento, pois dessa forma criamos um símbolo para sempre lembrar. Contudo, a maneira de se guardar, preservar e se lembrar de uma memória não acontece de forma tão inocente. Porém, antes, é melhor entendermos o que é memória.

Desde os Gregos, segundo Vernant (1973), o fenômeno memoralista faz parte do cotidiano, tanto que existia uma Deusa da Memória, Mnemosyne, cuja função era “revelar o que foi e o que será” (VERNANT, 1973, p.79). Nesse sentido a “[...] rememoração não procura situar os acontecimentos num quadro temporal, mas, atingir o fundo do ser, descobrir o original, a realidade primordial da qual saiu o cosmo e que permite compreender o devir em seu conjunto” (idem, p. 76-77). Assim, “O ‘passado’ é parte integrante do cosmo; explorá-lo é descobrir o que se dissimula nas profundezas do ser. A História que canta Mnemosyne é um deciframento do invisível, uma geografia do sobrenatural”.

O que nos leva a definição de Pomian (2000, p. 508), de que

A ‘memória’ é, em suma, o que permite a um ser vivo remontar no tempo, relacionar-se, sempre mantendo-se no presente com o passado [... Pois] entre o presente e o passado interpõem-se sinais e vestígios mediante os quais – e só deste modo – se pode compreender o passado; trata-se de recordações, imagens relíquias.

Dada tais definições e tendo em vista que a vertente mais explícita de nosso projeto é a Memória, não podemos achar que ela não se constitui numa decisão política. Pois ela, a memória, geralmente, representa o grupo dominante, ou vencedor, no caso de batalhas. Não por acaso, geralmente a história contada pelos “perdedores” ou por setores marginalizados pela sociedade só são acessíveis diante de atitudes individuais de preservação e não por atitudes do Estado e suas instituições.

Não é a toa que numa guerra o apagamento da memória do perdedor será sumário, não é leviano o fato de o exército brasileiro ter confiscado os documentos do Arquivo Nacional do Paraguai durante a Guerra, no século XIX. Não é a toa que os Estados Unidos bombardearam a Biblioteca Nacional do Iraque, em Bagdá, nada mais do que com o intuito de apagar, não deixar rastros para a reconstrução, ou se essa for possível, que seja incompleta.

E o mais curioso nessa relação de lembrar/esquecer é que por serem os arquivos, museus, bibliotecas e monumentos os locais de celebração e preservação da memória – “lugares de memória”, de acordo com Nora (1993) –, essas são as instituições que mais sofrem com a censura e destruição. Não foi por acaso que a Biblioteca de Alexandria foi destruída e reconstruída sucessivas vezes.

Observando com ainda mais atenção o escopo do nosso projeto, podemos verificar que a escolha do período englobado pelos Relatórios Institucionais da Biblioteca Nacional, a ser analisado – entre 1905 e 1914 – não foi por acaso, afinal, eu, enquanto pesquisador e influenciado pelo meu meio social, os escolhi.

Além do mais, ao verificar que tal período pode refletir, através da Biblioteca e de suas políticas de formação e desenvolvimento de sua coleção, o ideário dos dirigentes da instituição e do país de criar uma imagem de cultura e de urbanização do Brasil diante das outras nações, para tanto, um novo prédio foi projetado e construído. Com arquitetura magnífica e compondo um dos cenários mais significativos da paisagem carioca, tal edifício foi construído na recém inaugurada Avenida Central – projeto de Pereira Passos de urbanização e higienização da cidade, baseada em aspectos da arquitetura Parisiense – e em conjunto com o Theatro Municipal, a Câmara Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes e o Centro Cultural da Justiça federal forma a tão famosa Cinelândia. Logo, o ideal de cultura e erudição reflete os aspectos de civilidade que os dirigentes desejavam que o mundo enxergasse no Brasil.

Assim, ter uma Biblioteca Nacional, cuja missão é preservar a memória do país, e que efetivamente cumprisse tal papel e tivesse um acervo raro e valioso é importante para que tal ideal se cumpra. Por consequência, enriquecê-lo é um dos meios para se alcançar tal objetivo e, por que não, preservar a memória dos 'escolhidos'. Atrevo-me a dizer que, na minha experiência na Biblioteca Nacional, cheguei à conclusão de que seu acervo é republicano e abolicionista. Mas basta um olhar mais atento para verificar que suas coleções mais importantes são incorporadas num momento de afirmação da república brasileira, onde a todo custo tentam fortalecê-la, diante da ainda ameaça dos monarquistas, no final do século XIX e início do século XX.

Nessa acepção, Halbwachs (2006) nos fala que a memória, apesar de individual, constitui-se num reflexo do coletivo, logo a memória é uma construção coletiva de grupos, sejam eles dominantes ou não, porém a memória que existe para a história oficial, será quase que invariavelmente, a dos grupos dominantes.
E mais, a biblioteca, sendo um local de pesquisa, e ao refletir tal interesse, só poderá oferecer ao seu público, obras, documentos, imagens que reflitam esse ideal e assim, provavelmente, os relatos e pesquisas que teremos serão nada mais do que confirmações do desejo dominante, desta forma, se a política não dita o que um projeto irá pesquisar, ela pode ditar ao que ele terá acesso e como terá acesso.

Sob esse prisma, basta entendermos que uma biblioteca é constituída de políticas, sejam elas de seleção, de acesso, de descarte, enfim que ela tem normas consagradas em sua prática de gestão que dirão a que público ela se direciona, o que ele encontrará ali e como ela poderá usufruir dos produtos e serviços oferecidos. Tais normas, regulamentos ou, simplesmente, políticas, constituem-se em ações baseadas no interesse e missão dos mais diversos segmentos sociais.

Logo, se missão de uma biblioteca nacional é salvaguardar a memória daquele país para que ela possa, de forma poética, ecoar no tempo futuro, para que se conheça o como foi, entenda o como é e, talvez, sirva de projeção para o como será, nada mais coerente do que se guarde o desejo de memória do governante ou do dominante. Assim, a memória será sempre fruto da tensão entre o lembrar e o esquecer, fruto das disputas pelo poder e pela afirmação do poder vigente. Não fosse assim, talvez não seria possível a reconstrução do passado de forma tão próxima ao que aconteceu, mas nunca de forma ampla, refletindo apenas o geral, o que foi mais representativo nos meios sociais.

REFERÊNCIAS

HALBWACHS, Maurice. Memória coletiva e memória. In: ______. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. p. 26-70.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Proj. História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez, 1993.

POMIAN, K. Memória. In: GIL, Fernando (coord.). Sistemática. Porto: Imprensa Nacional: Casa da Moeda: 2000. p. 508. (Enciclopédia Einaudi, 42)

TOMANIK, Eduardo Augusto. O que é ciência?: a ciência no discurso do cientista. In: _____. O olhar no espelho. Maringá: EDUEM, 2004. p. 55-114.

VERNANT, Jean-Pierre. Aspectos míticos da memória e do tempo. In: _____. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de psicologia histórica. São Paulo: Difusão Européia do Livro; EDUSP, 1973. p. 71-97.

* Esse post é o opinion paper apresentado como trabalho final na parte da disciplina Metodologia de Pesquisa em Ciência da Informação ministrada pela professor André Ancona.

20 julho 2011

Biblioteconomia, 100 anos

Semana passada a criação do primeiro curso de Biblioteconomia no Brasil fez 100 anos.

Veja a postagem que fiz no Poeira de Biblioteca: http://poeirab.blogspot.com/2011/07/100-anos-de-biblioteconomia-no-brasil.html

Criação e não efetivo funcionamento, OK? Por isso meu projeto vai até 1915!

Pausa, revisão!

Bom, encerrada a disciplina Metodologia de Pesquisa é hora de fazer um apanhado geral sobre o meu projeto a partir da disciplina.

Ele, na comparação com o que era e o que se tornou não sofreu grandes mudanças, os objetivos ficaram os mesmos porém de forma mais clara, tendo em vista que faz parte da produção do conhecimento se fazer entender da melhor forma possível. Ainda nesse sentido, foi feita a mudança no título do projeto (aliás, ele é o título do Blog). Outra mudança foi o encurtamento do período a ser pesquisado, passando de 20 anos para 11, tendo como marcos teóricos o lançamento da Pedra Fundamental do novo prédio da Biblioteca (1905) e o efetivo funcionamento do curso de Biblioteconomia (1915) - sim, são onze anos, pois trabalho com o relatório de 1905, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, logo...

Porém, talvez a mudança mais significativa esteja nas entrelinhas do projeto, de entendê-lo melhor. Assim, o projeto teve sua parte escrita aperfeiçoada, se fazendo mais claro e preciso.

 Também entendê-lo como fruto do meu social, dos meus desejos e, sobretudo, perceber que um projeto sempre terá no seu escopo o seu pesquisador, me permitiu ficar mais a vontade com algumas idéias que tenho, que mesmo que não entrem no projeto diretamente, podem ser úteis para melhor executá-lo.

Assim, ter a visão da dimensão política do projeto me ajudou a buscar melhores formas de fazê-lo e comunicá-lo aos meus pares, aliás, função essa que esse blog que vos "fala" tem - a troca de informações, as críticas, as interações.


Assim, essa pequeno relato não visa esclarecer mais sobre o projeto, mas sim, fazer um balanço sobre como estamos e como prosseguiremos. E agora percebo que o que fiz foi um relatório... =]